quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

I will wait*

Vou esperar que, um dia, o meu trabalho não seja apenas isto de mentir. Hoje disse a um doente meu que ele não ia morrer. O senhor insistia que sim e eu disse que não. Mas vai. Vai morrer com uma doença hematológica qualquer. Ele que me disse que trabalhou uma vida inteira, às vezes 3 dias seguidos sem dormir, por essas estradas fora.

Vou esperar que, um dia, os meus dias não sejam a fazer pensos a 7 úlceras de pressão, à mesma pessoa. Mesmo que já ninguém invista naquele ser magro, frágil e, ainda, relativamente jovem. 

Vou esperar que, um dia, por cada punção que faça, por cada colheita de sangue, eu promova a cura de alguém. O que é uma terrível mentira. Eu não curo ninguém. O que é que colocar um catéter periférico numa pessoa lhe vai fazer, para além de doer? O que eu faço pode ser, no máximo, uma ajuda, uma via que leve vida, energia. Mas nunca cura. Nem as minhas palavras servem de conforto a alguém, eu que minto aos meus doentes para lhes afastar fantasmas em noites intermináveis.

Vou esperar porque, por agora, eu não promovo saúde.  Aliás, eu abomino toda essa conversa da promoção da saúde e prevenção da doença. Chavões, gíria de enfermagem muito agradável ao ouvido e que se materializa em nada, na prática. Porque, para muita gente, a promoção da saúde são uns panfletos e uma sessão de educação para a saúde, toda bonitinha, num power point muito clean cujos efeitos na população/comunidade são zero.

Vou esperar porque eu quero fazer mais do que assistir a estes desfechos em que nada do que faça, restaure uma centelha de vida. Vou esperar porque, embora a morte nos seja a única certeza, há muito mais que se possa fazer enquanto respiramos, há muito sangue desenfreado a correr-nos na corpo, num tumulto furioso mas percursos de tantas sensações boas.

*Na versão tão boa dos Mumford and sons'

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