domingo, 8 de abril de 2012

Da minha Páscoa


O sr. M. morre aos bocadinhos. Ontem já se despediu da esposa e dos filhos. O sr. M. morre-me sem eu perceber bem como, como todas as mortes anunciadas, as quais nunca percebemos bem como acontecem. Nada de novo. Era só que eu gostava muito daquele senhor, de toda a sua altivez, de toda a sua necessidade em conhecer a doença, de todas as vezes em que me enumerou os efeitos adversos dos vários fármacos que tomava e das interacções possíveis. Tantas vezes me mostrou, nos vários internamentos, livros e autores novos. 
O sr. M. morre-me mas ainda diz o meu nome e me reconhece a voz. Na face dos filhos não há revolta ou incredulidade face à rápida progressão da doença. Há paz. Uma infinita sabedoria que nos ensina que é possível fazermos o luto de uma forma cândida. Eu não os conheço...vejo-os, falo com eles, são afáveis e conversadores mas não os conheço. Também não conheço a esposa que chora, apesar de ela ser muito querida.

Não quero chegar ao hospital, hoje à tarde, e saber que o senhor morreu. Quer dizer, lá no fundo, quero, só porque sou egoísta o bastante para não querer que seja num turno meu. Eu sei que vou chorar.Que não vou saber dar a notícia, apesar de tudo.

Portanto, esta é a minha Páscoa. Sem ressurreições por estes lados. Já fui à missa fazer o mesmo de sempre: nada. Mas fui, para ver se compreendia o facto de ser necessário sofrer tanto antes de morrer. Mais uma vez sem reposta, mais uma vez a contar os minutos, mais uma vez a fazer uma coisa que não me trouxe sentido. Mas tudo bem.

Está tudo bem porque a família se reúne, porque há saúde, porque há sol, apesar de tudo.

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